Notícias :: SANTOS E O MAR: DISCUTINDO A RELAÇÃO – A Trubuna 24/11/2025
Flávio Viegas Amoreira
Escritor, membro das academias de Letras de Santos e Praia Grande e curador da Casa das Culturas de Santos
flavioamoreira@uol.com.br
TRIBUNA LIVRE - A TRIBUNA
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Sábado 01/11/2025
Santos, nesga, naco mítico emprestado do mar, belo mar selvagem cantado por seu maior poeta, Vicente de Carvalho.
Só por seus sonetos, já valeria do mar ter-lhe a terra embalado o berço.
Essa Santos baía glutona, consumindo estroina do mar as riquezas.
Côncava e reentrante, bioma surgido das ondas que lhe cobram de novo o espaço.
Estamos conjecturando muito infraestruturas, sem pensar no mar que tudo decide.
Até onde vai a paciência do deus das profundezas e vagas sonolentas, com o destino de seus hóspedes banhando-se ocupantes permanentes?
Uma das cenas mais carregadas de simbolismo da nossa era foi o Santo Padre em Roma apanhar um pedaço de gelo, vinda há anos, desprezada, daquela Groelândia.
Sinal dos tempos?
Raro é o horror ambiental somos em grande parte nós humanos, desde a Revolução Industrial.
O mesmo Papa que nos alerta que a janela de reversão do caos climático está se fechando.
Ao mesmo turno que devemos mudar estilo de vida dependente de combustíveis fósseis, não podemos perder de vista o esforço de resiliência a mitigar até o limite do possível para garantir a sobrevivência da espécie.
Numa derradeira entrevista, Sebastião Salgado ao jornal The Guardian, me impressionou ao pontificar: “O planeta vai se recuperar.
Está cada vez mais fácil para o planeta nos eliminar”.
Duro e sincero, um artista e ecologista que não desistiu desse mesmo planeta.
Salgado investiu loucamente no reflorestamento do que denominou Vale do Rio Doce, numa parceria com o governo de Minas e em massa persistente.
Potencialmente com a parceria certa e a Unicamp, os mares a tecnologia para desalinizar água de vez.
Fernando de Noronha tem empresas que já fazem prospecção de água dos mares de um século espoliados pela esterilidade.
A reversão do degelo das calotas polares é uma epopeia digna de Sísifo, aquele personagem do mito grego, que é condenado a levar ao topo da montanha uma rocha que eternamente volta ao chão, para ser infinitamente reposta no cume.
Enquanto tentamos reverter a degradação, apostamos na contenção.
O caminho factível para a almejada transição energética não será só a decisão de governantes, mas decisões dos cidadãos em cumprir metas, a partir da redução dos consumos.
Revisão de hábitos de consumo, mudança de padrão alimentar.
Substituição do bovino em favor da proteína vegetal, sobretudo a prioritária austeridade de governos e das classes mais abastadas será difícil, mas será difícil sem ações fundamentais.
Será difícil esgotar-nos sem uma mudança abrupta do modo de vida.
Recuperar o que fazemos à Terra e aos rios é preciso, mas sobretudo reorganizar mundialmente o que um século de tardo negacionismo climático e outro momento cômodo autoengano.
Não demorará para observarmos o flagelo dos exilados ambientais.
Onde abrigar os desertados pelo furor das temperaturas extremas?
Aquela pedra de gelo dinâmica de seu duro pontífice nos adverte sobre o colapso.
Colapso de moradias, colapso de safras, colapso de polinização, colapso de fossitenses; colapsos, do latim, “que cai como um só bloco”.
<p">Daqui dessa esquina portuária do mundo, torço a nosso horizonte que se perpetue honrando o visionário Saturnino de Brito.
O exemplo de Santos, em respeito ao seu sistema de canais, antes da pressão pela mágica, é que que queria, resso, o mar.
Mar é direto.
Te temos diante desta esquina e a sua brisa quarta os líquidos.
Ah! Se pudéssemos emergir com todos os olhos vivos no futuro, com num poema profético de Tennyson!
Ver a nobre raça dos seres fraternos em comunhão, para muitas primaveras aos que virão nos apontando o dedo...
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