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Notícias :: Herzog: nunca mais aquele sábado – A Tribuna 25/10/2025


Flávio Viegas Amoreira


Escritor, membro das academias de Letras de Santos e Praia Grande e curador da Casa das Culturas de Santos
flavioamoreira@uol.com.br
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Sábado 25/10/2025
Um cinzento sábado típico de São Paulo, numa soturna primavera. Mais um shabat para o jornalista, cineasta, intelectual, humanista pleno Vladimir Herzog. Seria seu último.

Depois de uma intensa semana como diretor da TV Cultura, o marido de Clarice e pai de Ivo e André substituiu o convívio com a família no sítio em Bragança, entre a criação de patos, pombas e flores e a paixão pela fotografia, para se apresentar ao famigerado DOI-Codi, na Rua Tutóia, 921. Prestaria depoimento sobre ligações antigas com o PCB. Saudável e pleno, depois de um suicídio forjado e evitado pelas torturas, nunca voltou.

No domingo lotou-se a Catedral Anglicana de amigos, entidades civis, representações consulares e eclesiásticas, todos sob tensão e sofrimento. O mito do suicídio foi desfeito. Milhares de pessoas se despediram dele, desafiando, pacificamente, os algozes, desandando em estratégia funesta ao martírio.

Nada mais distante de um Marighella ou Lamarca que o imigrante croata que fugira do nazismo para sucumbir a um regime nascido num 1º de abril e que durou 20 anos. Ressalta-se que a ditadura não foi tão só nacional, pois pilotava sob o tacão da finança e financiada pela Operação Oban, que era subsidiada pela CIA e por sua fábrica de horrores. Convido os meus colegas de profissão a reler “K. – Relato de uma busca”, de Clarice Herzog.

Para os padrões do regime, o governador Paulo Egydio era liberal demais e tinha como secretário de Cultura um dos nossos mais dignos personagens desse mesmo universo tão odiado pela direita, a Cultura: o imenso José Mindlin. O general Geisel sentia que a insanidade dos porões havia chegado ao limite e peitou a linha dura comandada por Sylvio Frota, num cabo de guerra que sacudia como pau país envergonhado a recaída antidemocrática.

O assessor de Frota era um jovem coronel chamado Heleno, e Geisel demitiu sumariamente o truculento capitão Jair, a quem se referia como “mau militar”. Frota saiu do Exército e da História e ficamos com o pesadelo do DOI-Codi, mantido e alimentado por muitos anos, inclusive depois da vitória de Geisel sobre a linha dura.

Políticos e jornalistas tresloucados até hoje defendem a tortura aberta ou velada, sempre sob a cultura de ódio alimentada, do extremismo e da brutalidade, que não resultaram em um milímetro no recuo da ditadura. Mas é preciso ressaltar também que Rubens Paiva, Herzog e o operário Manoel Fiel Filho foram trucidados por agentes do Estado.

Estado tomado de assalto, de maneira ilegítima, e sua tutela sem voto direto, sob censura e impunidade forte, enfim, ditadura de Estado.

Mencionei acima os envolvidos em duas tentativas de golpe, como vítimas ou instigadores – de civis, militares, heróis, mártires ou traidores. Assim, nos registros do regime militar, as mortes de Herzog, Rubens Paiva, Fiel Filho e do capitão Sérgio Macaco até hoje pesam na farda do general-presidente Geisel e do seu braço dirigente Eduardo Gomes. Shalom, Herzog.



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